segunda-feira, 24 de novembro de 2008

A palavra em poesia (ou a crônica das perguntas)

Pablo Rodrigues
pablo@diariopopular.com.br

Eu preciso escrever como quem precisa de pão. Tenho fome, o desenorme desejo-de. E vejo um nublar-nublado imenso em minha frente: incertezas, coisas gerais. O que faz de mim este que insiste? Quem me pintou palavra – pensou-me nome, vocou-me: Pablo - antes mesmo que eu pudesse pensar em palavrear? Antes que eu atendesse por este nome que me chamam? Por este nome que sussurro, como se me procurasse, nos becos mais desconhecidos de mim? Será que me encontro? Fora de mim, eu? Outrocêntrico?

Transito entre coisas – e quem sou eu? Passeio pelo piso – pisoteio. Queria saber dançar, eu acho – o sapateio. Mas aquilo que não sei me entusiasma, catequiza. Compro cordas, corto garfos, canto vacas, profanas, cornos, tetas – tudo em mi. Maior? Tudo é maior, mesmo os menores pormenores. Mudo o tom: silêncio, Hamlet morreu – virou resto. Tragédia, a vingança. Tantas coisas podres, tantas belezas. E essas palavras em desordem, em desatino, que me saem naturalmente, como se eu próprio fosse o mais dissociado dos homens – quem sabe? Quem me sabe? Eu não arrisco dizer-me. A não ser desse jeito, assim, labiríntico, distraído – e caótico: poema?

Eu busco o lado de dentro da palavra, o poço do silêncio, desconhecido: a palavra em solidão. Mergulho em cada letra: voais como antes? Aeioueio-me. Também eu, consoante em mim, em cada serifa, ou não-serifa, busco, ao fim, ao cabo, encontrar-me. Sem a palavra, como poderia dizer-me? Como poderia dizer-te todo o tanto que ainda queria?

Eu busco o interno do sentimento da palavra sem dor: os meus amores todos. Mas desconheço palavra que não doa. Significo? Coisas quais? Cais, "saudade de pedra". Cais, mas não sou mais, pedra. Cultivo o peito em festa, fogueira e pinhão. Garanto o direito ao sonho, em mim, ao beijo e à construção. Garanto, em mim, garanto.

Mas desde sempre, aliás, garantias não são eternas. Eterno é apenas este instante: o do encontro da escrita e da leitura fora do tempo. Tuas mãos no papel e teus olhos soltos em mil-e-uma decifrações. Onde se fabricam os poemas? Existem já mesmo antes de existir? Estão suspensos por aí como milagres à espera-de? Os poemas são as pedras? Em que parte do caminho? (Dedico-me a Beatriz, filha que ainda não tenho) Os poemas são as nuvens? Os poemas são os olhos? Os olhos são abismos?

Soubesse o que me espera… A poesia podre - no meio do lodo, talvez, o despertar de um lírio? A poesia distraída – no meio da dança, quem sabe, o tropeçar de um bêbado? Que me leiam com calma. Nada do que escrevo me foge. Nada do que escrevo me é estranho, estúrdio. Despejo-me – o silêncio da confissão: madrugada adentro, em alfabética desordem. Falo do que nem sei. Do que sou, procuro. Vontade minha maior é de misturar as palavras, bagunçar os acentos, despontuar: suspender a ortografia e a regência verbal em reticências, redundâncias, como se fossem como se estrelas-pássaros fossem, senhoras de desarranjadas constelações, vôos outros, infantis: Gaudí.

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