Pablo Rodrigues
pablo@diariopopular.com.br
Confesso: estou cansado - muito cansado, diga-se de passagem - de gente que fala como se conhecesse exatamente o funcionamento dos "mecanismos espirituais". Gente que age como se sempre soubesse - tintim por tintim - a causa mais profunda dos acontecimentos "em outro plano". Poupem-me, por favor, desses infelizes. E me deixem com o mistério. Desses infelizes, por favor, me poupem. E me deixem com a dúvida. Às 13h, logo depois de almoçar, Deus existia em mim. Às 13h12min, quando saí para a rua, na boca do Café Aquário a miséria do menino fazia coro à voz de Nietzsche. Cheguei a cogitar, porque existo, que o Evangelho teria mesmo morrido na cruz. Mas voltei a crer no instante seguinte porque afinal de contas a cruz continua aí. E em minhas costas ela pesa justamente o que eu posso suportar. E talvez por isso eu não a suporte. O relógio mal bateu 14h e eu já tinha me esquecido de Deus, da miséria do menino, da cruz, de mim. Havia-me afogado em burocracias. Ora, me dirás, certo perdeste o senso! Há, por acaso, burocracias no jornalismo? E eu te direi, leitor, muitas. Faltam-me palavras para dizer quantas. Palavras faltam, aliás, no próprio jornalismo. Precisa-se urgentemente sair em busca de um novo léxico (nem ósculo, nem amplexo). Precisa-se sair em busca de Deus, mais íntimo do que a própria intimidade, segundo Agostinho de Hipona, o ladrão de pêras mais importante da história da humanidade. Eu já roubei pêras. Minha mãe nunca soube. Nem o padre da minha primeira confissão. Sim, milhares de explicações surgirão para meu delito. Os sabedores (chatos, chatíssimos) dos motivos além-corpo dirão que algum rescaldo de alguma outra vida me impulsionou à má ação. Os psicanalistas por certo irão encontrar alguma motivação fálica em meu proceder. Cada um guarde o que pensa para si. Como infrator, digo: eu era criança e apenas quis comê-las. Sim, às vezes a verdade da vida irrompe é da simplicidade. Pensar demais atrapalha tudo. Talvez seja melhor mesmo não pensar em nada: nirvanear-se. Mas não pensar em nada é também não pensar no outro. Aqui volta (e revolta) a história do menino pobre e demasiado humano à porta do Aquário. Quem pensará nele se todos os que podemos ajudá-lo nirvanearmo-nos? Sei, o mundo precisa de mãos. Há tanto suicídio por falta de abraço. Menos Prozac, mais abraços! Menos Prozac, mais literatura! Palavras, apenas. A busca pela vida em seu supra-senso, ilógica e vivíssima como as observações das crianças, bem expressas no papel por Pedro Bloch. Grave-se, por motivos absurdamente gratuitos, três bons exemplos, numerados também por motivos absurdamente gratuitos.
1) Diante de um túnel, o menino cisma e pergunta ao pai: "Por que será que sempre constroem um morro em cima dos túneis?"
2) Diante de uma casa em demolição, o menino observa: "Olha, pai! Estão fazendo um terreno!"
3) O menino explicava ao pai a morte do bichinho: "O gato saiu do gato, pai, e só ficou o corpo do gato."
Outro bom exemplo da fantástica ilógica infantil - e mais não se fale sobre o assunto - aparece em um dos quatro prefácios de Tutaméia, livro de contos de Guimarães Rosa. O trecho vai transcrito abaixo, numerado com uma data, por motivo, como tudo, absurdamente gratuito.
27 de junho de 1908. "Seo guarda, o sr. não viu um homem e uma mulher sem um meninozinho assim como eu!?"
Ademais, o que se pode dizer ou escrever?
Lhufas!
pablo@diariopopular.com.br
Confesso: estou cansado - muito cansado, diga-se de passagem - de gente que fala como se conhecesse exatamente o funcionamento dos "mecanismos espirituais". Gente que age como se sempre soubesse - tintim por tintim - a causa mais profunda dos acontecimentos "em outro plano". Poupem-me, por favor, desses infelizes. E me deixem com o mistério. Desses infelizes, por favor, me poupem. E me deixem com a dúvida. Às 13h, logo depois de almoçar, Deus existia em mim. Às 13h12min, quando saí para a rua, na boca do Café Aquário a miséria do menino fazia coro à voz de Nietzsche. Cheguei a cogitar, porque existo, que o Evangelho teria mesmo morrido na cruz. Mas voltei a crer no instante seguinte porque afinal de contas a cruz continua aí. E em minhas costas ela pesa justamente o que eu posso suportar. E talvez por isso eu não a suporte. O relógio mal bateu 14h e eu já tinha me esquecido de Deus, da miséria do menino, da cruz, de mim. Havia-me afogado em burocracias. Ora, me dirás, certo perdeste o senso! Há, por acaso, burocracias no jornalismo? E eu te direi, leitor, muitas. Faltam-me palavras para dizer quantas. Palavras faltam, aliás, no próprio jornalismo. Precisa-se urgentemente sair em busca de um novo léxico (nem ósculo, nem amplexo). Precisa-se sair em busca de Deus, mais íntimo do que a própria intimidade, segundo Agostinho de Hipona, o ladrão de pêras mais importante da história da humanidade. Eu já roubei pêras. Minha mãe nunca soube. Nem o padre da minha primeira confissão. Sim, milhares de explicações surgirão para meu delito. Os sabedores (chatos, chatíssimos) dos motivos além-corpo dirão que algum rescaldo de alguma outra vida me impulsionou à má ação. Os psicanalistas por certo irão encontrar alguma motivação fálica em meu proceder. Cada um guarde o que pensa para si. Como infrator, digo: eu era criança e apenas quis comê-las. Sim, às vezes a verdade da vida irrompe é da simplicidade. Pensar demais atrapalha tudo. Talvez seja melhor mesmo não pensar em nada: nirvanear-se. Mas não pensar em nada é também não pensar no outro. Aqui volta (e revolta) a história do menino pobre e demasiado humano à porta do Aquário. Quem pensará nele se todos os que podemos ajudá-lo nirvanearmo-nos? Sei, o mundo precisa de mãos. Há tanto suicídio por falta de abraço. Menos Prozac, mais abraços! Menos Prozac, mais literatura! Palavras, apenas. A busca pela vida em seu supra-senso, ilógica e vivíssima como as observações das crianças, bem expressas no papel por Pedro Bloch. Grave-se, por motivos absurdamente gratuitos, três bons exemplos, numerados também por motivos absurdamente gratuitos.
1) Diante de um túnel, o menino cisma e pergunta ao pai: "Por que será que sempre constroem um morro em cima dos túneis?"
2) Diante de uma casa em demolição, o menino observa: "Olha, pai! Estão fazendo um terreno!"
3) O menino explicava ao pai a morte do bichinho: "O gato saiu do gato, pai, e só ficou o corpo do gato."
Outro bom exemplo da fantástica ilógica infantil - e mais não se fale sobre o assunto - aparece em um dos quatro prefácios de Tutaméia, livro de contos de Guimarães Rosa. O trecho vai transcrito abaixo, numerado com uma data, por motivo, como tudo, absurdamente gratuito.
27 de junho de 1908. "Seo guarda, o sr. não viu um homem e uma mulher sem um meninozinho assim como eu!?"
Ademais, o que se pode dizer ou escrever?
Lhufas!
Nenhum comentário:
Postar um comentário